quinta-feira, 3 de maio de 2012

A FABRICAÇÃO DO REI



“Dizia Montesquieu que ‘o esplendor que envolve o rei é parte capital de sua própria pujança’. Mais do que um elogio, a consideração sintetiza particularidades da monarquia, ou mesmo, a dimensão simbólica presente em qualquer tipo de poder público e político. Com efeito, se é só a realeza que introduz o ritual em meio à sua lógica formal e no corpo da lei, pode-se dizer, porém, que não há sistema político que abra mão do aparato cênico, que se conforma tal qual um teatro; uma grande representação.”

“(Os monarcas) foram os inventores do marketing político e nesse sentido fizeram escola (...). A propaganda surge como meio de assegurar a submissão ou o assentimento a um poder. (...) Na verdade, esculpida de maneira cuidadosa, a figura do rei corresponde aos quesitos estéticos necessários à construção da ‘coisa pública’. Saltos altos para garantir um olhar acima dos demais, perucas logo ao levantar, vestes magníficas mesmo nos locais da intimidade; enfim, trata-se de projetar a imagem de um homem público, caracterizado pela ausência de espaços privados de convivência. Tal qual um evento multimídia, o rei estará presente em todos os lugares, será cantado em verso e prosa, retratado nos afrescos e alegorias, recriado como um Deus nas estátuas e tapeçarias.”

“Exemplo radical do exercício e da manipulação simbólica do poder, a realeza evidencia, com sua etiqueta, a importância do ritual na construção da imagem pública. A monarquia é, nesse sentido, um bom pretexto para a discussão dos vínculos entre política e manipulação do imaginário simbólico, ou mesmo para a verificação de como política se faz com a lógica da ‘razão prática’, mas também, com a força de persuasão da "razão simbólica.”



Lilia K. Moritz Schwarcz. A fabricação do rei. A construção da imagem pública de Luis XIV. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994, 254 pp. Antropologia, São Paulo: FFLCH/USP, v. 43, n. 1, p. 257-61, 2000.

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